“Tenho uma filha de 9 anos e desde bebé que tem pavor do escuro e da noite. Ainda hoje, temos de ler-lhe uma história ao deitar e não podemos sair de ao pé dela antes de adormecer. Este ritual é sempre de luz acesa e, por vezes, não satisfeita com a nossa presença, pede-nos a mão. Tem medo que as portas do roupeiro se abram e saiam de lá ‘maus’ ”
Andreia
O medo do escuro é um medo evolucionário. Nos nossos antepassados, o anoitecer simbolizava uma diminuição da perceção visual, perigo e, eventualmente, a ameaça de algum animal feroz. Por isso, o medo tornou-se adaptativo na medida em que nos permitiu procurar proteção. Hoje, a realidade é bem distinta e já não enfrentamos ameaças tão animalescas. No entanto, a ideia das fantasias que envolvem figuras sombrias, os horrores da noite apresentados em filmes de terror ou em fantasias infantis que envolvem monstros e perigos, permanecem. Não obstante, este medo apresenta-se paradoxal. Se por um lado, o medo é um mecanismo protector, na medida em que a sua finalidade é promover a nossa integridade sempre que somos confrontados com um perigo ou uma ameaça antecipada, por outro lado, pode tornar-se desadaptativo quando é excessivo.
A cada etapa do desenvolvimento humano estão associados medos típicos que, de uma forma geral, diminuem ou desaparecem quando deixam de ser funcionais. Os estudos realizados neste âmbito referem que o medo do escuro e das criaturas imaginárias aumenta dos 4 para os 6 anos, tendendo depois deste período a diminuir. Aos 9 anos, o medo do escuro não é considerado um medo adaptativo, mas desproporcionado, uma vez que persiste apesar de já ter cumprido a sua função.
O que levará, então, a que se mantenha apesar de já ter terminado o seu “prazo de validade”? Uma das possibilidades é que este medo tenha sido adquirido por modelagem, ou seja, pela observação de outras pessoas a reagirem de modo medroso. Os pais com perturbações de foro ansioso têm maior probabilidade de ter filhos com perturbações do mesmo foro. A transmissão verbal de informação negativa, nomeadamente através dos meios de comunicação social, por exemplo o telejornal, é outra hipótese. Determinadas características do ambiente familiar podem também contribuir para transformar medos adaptativos em patológicos. Sempre que as figuras parentais controlam demasiado os filhos, limitando a sua autonomia e o comportamento exploratório, podem estar a contribuir para o desenvolvimento de perturbações ansiosas. O medo desadaptativo pode também surgir na sequência da associação de acontecimentos aversivos com situações previamente neutras, passando estas últimas a desencadear ansiedade.
Face a isto, o que fazer? Naturalmente será mais fácil estabelecer estratégias mediante um conhecimento mais aprofundado da situação. De qualquer forma, para que este medo possa ser vencido, é importante combatê-lo mediante o estabelecimento de várias etapas: primeiro a criança terá de ser capaz de dormir de luz apagada; depois terá que ser capaz de dispensar a mão dos pais; e, por fim, é que se poderá motivá-la a dormir sozinha. Se o objectivo é que ela, de um dia para o outro, passe a dormir sozinha sem a presença do adulto e de luz apagada, provavelmente os pais ficarão frustrados. Antes de passar à acção, os pais poderão estabelecer um contrato, no sentido de premiar a filha, sempre que ela consiga superar os seus medos. Por exemplo, poderá combinar-se com a criança fazer um registo das suas vitórias contra o medo, desenhando uma estrelinha por cada vitória. Ao fim de 5 noites em que a criança foi capaz de adormecer de luz apagada, pode ser-lhe atribuída uma surpresa. Este tipo de medidas funciona de forma muito eficaz.
Não menos importante, é essencial que os pais validem o sofrimento da criança para que esta compreenda que existe espaço para poder sentir o seu medo ao invés de serem alvo de crítica e comparação (“já não tens idade para teres medo do escuro”, “o teu irmão é bebé e não tem medo do escuro”). De facto, este discurso invalidante contribui para o aumento da ansiedade, do medo e da sua crença de fracasso (“eu não consigo dormir sozinho; eu não consigo estar no escuro”). O intuito será que os pais sejam figuras securizantes e orientadoras, reforçando sempre com um elogio a cada momento que a criança faça um progresso.
Se falhar a implementação destas estratégias, poderá ser importante pedir a ajuda de um(a) Psicólogo(a) Clínico(a), para que este(a), em colaboração com a família, possa estabelecer um plano de intervenção mais estruturado.
Por Rita Santos | Psicóloga Clínica e Ricardo João Teixeira | Psicólogo clínico e Psicoterapeuta