Mindfulness (atenção plena) 

Mindfulness (atenção plena) 

O mindfulness (ou atenção plena) é uma antiga prática budista que pode ter uma relevância profunda para a vida quotidiana das pessoas (Kabat-Zinn, 1990; 1994). Esta relevância não tem nada a ver com Budismo per se ou em tornar-se budista, tendo sim que ver com o acordar e viver em harmonia consigo mesmo e com o mundo. Tem que ver com o saber quem somos, questionando a nossa visão do mundo e o lugar que ocupamos nele, e com o semear de alguma apreciação da plenitude de cada momento em que estamos vivos. Acima de tudo, tem que ver com o estarmos em sintonia (Germer, 2005).

O cultivar do mindfulness através da prática da meditação tem uma longa história nas tradições espirituais orientais, principalmente no Budismo (Linehan, 1993a; Kabat-Zinn, 1982). Estas tradições descrevem a meditação mindfulness como um método disponível para reduzir o sofrimento e encorajar o desenvolvimento de qualidades positivas, tais como a consciencialização, insight, sabedoria, compaixão e equanimidade (Goldstein, 2002; Kabat-Zinn, 2003).

Fulton e Siegel (2005) dizem-nos que, na perspectiva budista, o nosso estado de vigília e consciência habitual é visto como sendo extremamente limitado e limitativo, fazendo lembrar em muitos aspectos um enorme sonho em vez de um estado de vigília pleno. Para os autores, a meditação ajuda-nos a acordar deste sono de automaticidade e inconsciência, tornando possível para nós vivermos as nossas vidas com acesso a todas as capacidades da nossa consciência, assim como da nossa inconsciência. Segundo Kabat-Zinn (1994), muitos mestres Sages, Yogis e Zen exploraram estes territórios profundamente há milhares de anos.

Durante esse processo, eles aprenderam algo que pode ser totalmente benéfico para as populações ocidentais, como contrabalanço das suas orientações culturais que impulsionam para o controlo e subjugação da natureza, em vez de honrarem o facto de serem uma parte constituinte da mesma. O aglomerado das experiências destes mestres sugere que da investigação intensa da nossa própria natureza como seres e, particularmente, da natureza das nossas mentes através de cuidadosas e sistemáticas auto-observações, poderemos capacitar-nos da possibilidade de vivermos as nossas vidas com mais satisfação, harmonia e sabedoria. Esta formulação oferece, igualmente, uma visão do mundo que complementa o reduccionismo predominante e o materialismo que domina o pensamento ocidental, tanto ao nível individual como institucional. Assim, este ponto de vista não é nem particularmente “oriental” nem místico (Kabat-Zinn, 1990).

O mindfulness foi aclamado como sendo o coração da meditação budista. Fundamentalmente, é até um conceito bastante simples. O seu poder reside na sua prática e nas suas aplicações. Mindfulness significa prestar atenção de uma forma particular, ou seja, no momento presente e sem julgamentos. Esta forma de dirigir a atenção permite uma maior consciencialização, clareza, e aceitação da realidade no momento actual. Desperta-nos para o facto de as nossas vidas se desdobrarem apenas em momentos. Se não estivermos completamente presentes em muitos desses momentos, poderemos não apenas perder o que é mais valioso nas nossas vidas mas também perder a possibilidade de nos apercebermos da profundidade e riqueza das nossas oportunidades de crescimento e transformação (Kabat-Zinn, 1990).

Segundo Bower, Woolery, Sternlieb e Garet (2005), uma consciencialização diminuta do momento presente cria-nos inevitavelmente alguns problemas, manifestos através das nossas acções inconscientes e automáticas e dos nossos comportamentos, muitas vezes pautados por medos profundos e inseguranças. Estes problemas tendem a acumular-se com o passar do tempo, se não lhes dermos  devida atenção, podendo eventualmente levar a um sentimento de bloqueio ou de desrealização. Com esta acumulação, podemos perder a confiança na nossa capacidade de redireccionar as nossas energias para formas de maior satisfação e felicidade, ou até para um melhor estado de saúde (Kabat-Zinn, 2005).

A forma característica como uma pessoa interpreta e reage aos acontecimentos da vida tem influência nas suas atitudes, sentido de auto-eficácia, comportamentos e concretizações. Isto é especialmente saliente quando se lida com uma doença (Tacón, Caldera & Ronaghan, 2005). Na últimas décadas, profissionais de saúde e investigadores ocidentais defenderam que o desenvolvimento da prática do mindfulness poderá ser benéfico para pessoas que sofrem de uma grande margem de problemas ou desordens, mas que não estão interessadas em adoptar uma terminologia ou tradições budistas (Baer & Krietemeyer, 2006).

Para Kabat-Zinn, Massion, Hebert e Rosenbaum (1998), o mindfulness providencia uma via simples mas poderosa para nos desbloquearmos, de voltar para a sintonização com a nossa própria sabedoria e vitalidade. É uma forma de assumirmos a direcção e qualidade das nossas próprias vidas, incluindo os nossos relacionamentos familiares, o trabalho, assim como para com o mundo e planeta, mas fundamentalmente, para o relacionamento connosco mesmos. A chave para este caminho que, como foi dito, resulta das raízes do Budismo, Taoismo, e Yoga, é uma apreciação do momento presente e o cultivar de um relacionamento íntimo com ele de uma forma contínua e discernida. É completamente o oposto de conceptualizar a vida como um bem adquirido.

O hábito de ignorarmos os nossos momentos presentes em detrimento de outros conduz a uma constante falta de consciência da rede que é a vida na qual estamos embrenhados. Isto inclui a falta de consciência e compreensão da nossa própria mente e como isso influencia as nossas percepções e acções. Isso limita severamente a nossa perspectiva do que é ser pessoa e como estamos ligados uns aos outros e ao mundo à nossa volta (Kabat-Zinn, 2005). Tradicionalmente, a religião tem tido domínio sobre tais questões fundamentais com uma armação espiritual, mas o mindfulness tem pouco a ver com religião, excepto no significado mais fundamental da palavra, como uma tentativa de apreciar o profundo mistério de estar vivo e tomar conhecimento, e de estar vitalmente ligado a tudo o que existe (Olendzki, 2005).

Quando nos comprometemos a prestar atenção de uma forma aberta, sem estarmos presos às nossas preferências, opiniões e preconceitos, projecções e expectativas, abrimos oportunidades de nos libertarmos da prisão que pode ser a inconsciência. O mindfulness não interfere com crenças ou tradições – religiosas ou relacionadas em termos científicos – nem tenta vender nada, muito menos um novo sistema de crenças ou ideologia. É simplesmente uma forma prática de estar mais em contacto com a plenitude do ser, através de um processo sistemático de auto-observação, auto-questionamento e acção preenchida de consciência. De uma forma abstracta, o praticante mor do mindfulness é gentil, contemplativo e dedicado. Assim, outra maneira de definir mindfulness será “heartfulness” (Kabat-Zinn et al., 1998).

Fonte: Teixeira, R., & Pereira, M. G. (2009). Promoção da saúde na doença oncológica: Intervenção de redução do stress baseada no mindfulness [Health promotion in oncologic disease: Stress reduction intervention based on mindfulness]. Psychologica, 50, 253–275. https://doi.org/10.14195/1647-8606_50_13

Veja, também, um artigo sobre os benefícios das práticas de mindfulness, do Dr. Ricardo João Teixeira, para a Vital Health: Ciência e prática do mindfulness: benefícios conhecidos para a saúde física e mental

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